Nota Informativa

Nova lei do Mercado Voluntário de Carbono Português

17/01/2024

Entra agora em vigor a legislação que institui, organiza e regula um Mercado Voluntário de Carbono em Portugal. 

Foi publicado no dia 5 de janeiro, tendo entrado em vigor no dia seguinte, o Decreto-Lei n.º 4/2024, que institui, organiza e regula um mercado voluntário de carbono em Portugal (doravante, o “MVC”).

O novo Decreto-Lei (doravante, o “Diploma”) surge na sequência de uma proposta colocada em consulta pública pelo Governo e sobre a qual já versámos em Nota Informativa anterior, de 15 de março de 2023.

Comparando a versão do documento colocado em consulta pública (doravante, a “Proposta”) com o Diploma, destaca-se que, no geral, a Proposta não foi substancialmente alterada, ainda que haja algumas mudanças dignas de assinalar, tais como:

  • Tipo de emissões compensáveis, que já não são apenas as emissões residuais, apesar de o preâmbulo do Diploma continuar a afirmá-lo;
  • Conceito de adicionalidade, que deixa de ser tão exigente quanto constava da Proposta;
  • Intenção de alinhamento do MVC com as exigências aplicáveis a outros sistemas de certificação internacionais;
  • Maior atenção aos projetos de carbono azul e oportunidades para valorizar áreas protegidas e Rede Natura 2000;
  • Novas regras de compensação de reversão de emissões sequestradas para a atmosfera.

A presente nota focar-se-á apenas nas alterações mais relevantes face à Proposta. Para obter uma caracterização mais completa do MVC, consulte-se a Nota Informativa anterior.

Tipo de emissões compensáveis através dos créditos do MVC

Mantêm-se os dois tipos de utilização previstos: a compensação de emissões e a contribuição financeira a favor da ação climática. No entanto, deixa-se de exigir que a compensação de emissões respeite apenas às emissões residuais.

Antes, estabelecia-se que a compensação deveria integrar uma estratégia clara de descarbonização e redução de emissões de GEE da organização e que só poderia abranger as emissões que, depois do esforço de redução de emissões, não se conseguissem evitar, ou seja, as emissões residuais.

O Diploma suaviza este requisito, já que, embora continue a prever no preâmbulo este mecanismo para compensar emissões residuais, deixa de prever a exigência de que assim seja no seu articulado.

Este desvio face ao inicialmente previsto terá porventura a bondade de, num momento inicial, incentivar a descolagem do MVC tornando mais permissiva a participação e o fomento da implementação de projetos de sequestro carbono para, numa fase subsequente, num contexto expectável de consolidação e desenvolvimento do MVC, se avançar, então, para a restrição da utilização de créditos de carbono à compensação de emissões residuais.

O MVC no âmbito das iniciativas da União Europeia

O Diploma passa a prever expressamente o alinhamento com a iniciativa legislativa da Comissão Europeia em matéria de certificação de projetos de remoção e redução de carbono. À altura da Proposta este alinhamento não vinha ainda expresso, na medida em que a iniciativa europeia foi apresentada praticamente ao mesmo tempo que a nacional.

Este alinhamento não implica que o MVC fique a aguardar pela conclusão do processo legislativo europeu e aprovação das respetivas metodologias, mas apenas que, à medida que a iniciativa legislativa europeia se corporize, o MVC, e conforme adequado, transfira esses contributos também para o âmbito nacional.

Do lado europeu, o processo legislativo, notavelmente mais lento, encontra-se atualmente em primeira leitura por parte do Parlamento Europeu. É percetível, a partir do desenvolvimento legislativo verificado até à data, a vontade de alargar o âmbito da legislação europeia; se a proposta da Comissão estava sobretudo voltada apenas à fase de certificação dos projetos, o Parlamento Europeu parece agora pretender regular ainda os próprios créditos de carbono, por exemplo, os termos em que os mesmos podem ser utilizados.

Riscos associados à adicionalidade dos projetos

Um dos mais complexos critérios de elegibilidade dos projetos de sequestro de emissões é o da adicionalidade, que pretende exigir que a existência do MVC é causal da implementação do projeto. Tipicamente, este critério desdobra-se em três subcritérios, que operam cumulativamente:

  • Técnico, que exige que o projeto não represente um mero business-as-usual, isto é, o projeto tem de acrescer à situação que existiria se o projeto não fosse implementado;
  • Legal, que impõe que o projeto não seja implementado em virtude de uma obrigação legal;
  • Financeiro, que obriga a que a certificação do projeto seja condição essencial para a sua realização, em virtude do ganho financeiro que tal representará e sem o qual não seria racional implementá-lo.

A cumulação dos três subcritérios foi a linha seguida na Proposta e é nessa direção que vai também a discussão da iniciativa europeia sobre certificação de projetos de remoção e de redução de carbono.

De grande relevo é o facto de a redação revista do Diploma manter o subcritério técnico como obrigatório, mas, aparentemente, permitir que os subcritérios legal e financeiro funcionem alternativamente entre si.

Valorização dos projetos de carbono azul e fluvial

O Diploma dá maior destaque ao papel do mar e dos seus ecossistemas (incluindo sapais, pradarias de ervas marinhas, recifes e florestas de algas) no sequestro do carbono e aos benefícios que podem ser retirados da implementação do MVC.

A alusão a estes ecossistemas surge numa dupla vertente: enquanto espaço de implementação dos projetos de “carbono azul”, enquanto tipologia de projeto de base natural dirigido ao sequestro de carbono no mar e zona costeira, e, por outro lado, como beneficiários da implementação do MVC, já que se reconhece que tais ecossistemas podem ser favorecidos pelas externalidades positivas de projetos geradores de créditos de carbono + que ocorram nas redondezas, sejam ou não de carbono azul.

Nos projetos de carbono azul as metodologias são aprovadas pela APA em coordenação com o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. (ICNF) e a Direção-Geral de Recursos Naturais, Segurança e Serviços Marítimos (DGRM).

A individualização e destaque concedidos a esta tipologia de projetos está em linha com as disposições da Lei de Bases do Clima e com a Estratégia Nacional para o Mar 2021-2030, as quais já reconhecem o oceano a par das florestas como ativos de reservatórios de carbono a preservar.

Ainda a respeito dos projetos de base natural, apesar de não terem merecido o destaque dos projetos em ambiente marinho, nada impede que surjam projetos no domínio fluvial, tanto mais que o preâmbulo do Diploma realça agora que outros projetos de base natural existem para além dos florestais e dos marinhos.

Projetos em áreas prioritárias

Amplia-se o leque das áreas consideradas prioritárias para o desenvolvimento de projetos de sequestro de carbono, deixando de estar apenas associadas a projetos florestais.

Embora a epígrafe do artigo que identifica estas áreas tenha mantido a referência aos projetos de sequestro florestal, o corpo do artigo abre o elenco, passando a integrar projetos desenvolvidos em áreas onde o valor natural a preservar não tem necessariamente de estar relacionado com a floresta. Assim, são também consideradas legalmente prioritárias as áreas integradas na Rede Natura 2000 e na Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP).

Mantém-se no Diploma a possibilidade de a APA ou o ICNF virem a considerar prioritárias outras áreas a que entendam justificar-se a atribuição deste estatuto, com a novidade de se prever também para estas a isenção de taxas a cobrar no âmbito deste regime.

O Diploma torna mais atrativo o estatuto das áreas prioritárias já que, por um lado, reduz a percentagem de créditos de carbono retidos na bolsa de garantia de 20% para 10% e, por outro lado, importa uma maior taxa de libertação desses créditos com o termo do projeto, de 40% para projetos em áreas prioritárias e de 30% para os restantes casos (sobre a bolsa de garantia, ver abaixo).

A atribuição deste estatuto às áreas integradas na RNAP pode ser vista como um incentivo adicional à classificação de áreas protegidas por iniciativa de operadores privados – as áreas protegidas privadas – cujo reconhecimento leva à sua integração nessa Rede e, daí, aos benefícios acima apontados.

Mais Créditos de Carbono Futuros

Como medida que visa favorecer a implementação de projetos de carbono, assinala-se o aumento do limite para a emissão de créditos de carbono futuros, que passa de 10% para 20%. Sendo a venda deste tipo de créditos uma forma de antecipar as receitas que o projeto é suscetível de gerar, este aumento contribui para mitigar eventuais dificuldades iniciais no financiamento dos projetos.

Reversão do sequestro de carbono

Uma das alterações mais significativas que o Diploma traz relativamente à Proposta diz respeito às consequências das reversões do sequestro de carbono e mecanismos de gestão desse risco.

Tal como evidenciado em Nota Informativa anterior, as reversões materializam-se num dos mais sérios desafios colocados a projetos desta natureza, a saber, a libertação não prevista de carbono sequestrado para a atmosfera.

Uma vez que estamos em sede de mercado de compensação de carbono, o modo natural de combater o risco de reversão é, precisamente, permitir a compensação das emissões revertidas. As reversões, podendo ocorrer de forma intencional ou de forma não intencional, devem implicar consequências distintas, em particular no que toca à responsabilidade do promotor do projeto por uma ou outra.

O Diploma estabelece que, sendo a reversão intencional, o promotor deve compensar, em créditos de carbono, o equivalente ao dobro das emissões revertidas, dessa forma se gerando um efeito dissuasor da reversão dolosa ou negligente que lhe é imputada. Assim, respondem em primeiro lugar os créditos que tenha em conta na plataforma. Caso os créditos ali existentes não sejam suficientes, o promotor tem o prazo de um ano para adquirir o que se encontre em falta. Caso não respeite este prazo, há lugar a uma penalização em montante equivalente ao dobro do preço médio dos créditos no MVC, no ano civil anterior. Não se afigura claro se a aquisição em caso de insuficiência dos créditos em conta se deve dar dentro do perímetro do MVC ou se o promotor pode recorrer a outros mercados, europeus ou internacionais, algo que pode vir a ser necessário se ocorrer uma reversão intencional numa fase ainda embrionária do MVC em que a oferta de créditos é tendencialmente baixa.

Já se a reversão for não intencional, mantém-se, face à Proposta, a previsão de uma bolsa de garantia como um mecanismo contributivo de créditos de carbono, exclusivamente vocacionado para gerir o risco de reversão em situações não intencionais. A bolsa de garantia é, pois, uma carteira composta por uma parte dos créditos de carbono gerados pelos projetos, os quais ficam adstritos à compensação de reversões não intencionais, sendo que as contribuições feitas nestes termos configuram o limite do que o promotor pode utilizar caso se veja confrontado com uma reversão que deva compensar.

A grande novidade do Diploma está no facto de se prever a possibilidade de subscrição de um seguro que substitua ou suplemente a bolsa de garantia. Caberá ao promotor decidir, quando do registo do projeto, qual das duas opções, ou ambas, prefere, sendo certo que terá de optar por, pelo menos, uma delas. Note-se, no entanto, que a escolha do seguro está dependente da aprovação de portaria que densifique os termos em que um seguro é considerado idóneo para garantir a compensação das emissões revertidas.

Finalmente, e relativamente ao funcionamento da bolsa de garantia, salienta-se que, terminados os projetos, sem reversões, e realizada a última verificação periódica, há lugar a libertação de créditos aos respetivos promotores: 40% para projetos que se tenham desenvolvido em áreas prioritárias e 30% nos restantes casos.

Quanto aos créditos que não foram libertados após o termo do projeto, o seu destino ainda não foi claramente desvendado, porventura porque a própria ideia de duração de um projeto de sequestro de carbono está ainda em discussão (inclusive ao nível da própria União Europeia) e o legislador não terá pretendido resolver a questão antes de se assumir posição definitiva sobre aquela controvérsia, eventualmente a resolver nas metodologias.

ADENE é a nova gestora da plataforma do MVC

Outra das alterações de relevo trazidas pelo Diploma face à Proposta é o facto de a APA ter sido substituída no papel de desenvolvimento e gestão da plataforma de registo de projetos e de créditos de carbono, apesar de lhe passar a caber supervisionar o novo gestor: a ADENE – Agência para a Energia.

Em virtude dessas funções, as taxas ligadas ao registo de projetos, transação e cancelamento de créditos de carbono passam a ser pagas a esta associação. Caberá ainda à ADENE, em conjunto com a APA, elaborar relatórios anuais que demonstrem a atividade e conclusões destas duas entidades na sua função de acompanhamento e monitorização do MVC.

Recorde-se que a ADENE, pessoa coletiva de utilidade pública do tipo associação de direito privado, foi criada em 2000, através do Decreto-lei n.º 223/2000, de 9 de setembro, sendo os seus principais associados a DGEG, a DGAE, o LNEG e a APA, os quais, conjuntamente, detêm 73% das participações

Valorização de projetos de demonstração de iniciativa privada

Em matéria de projetos de demonstração, o Diploma inova face à Proposta na medida em que atribui à iniciativa privada uma função verdadeiramente ativa, no sentido de desenvolver o novo MVC através de projetos-piloto da sua iniciativa, mas sempre em articulação com as entidades competentes.

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