Nota Informativa

Dever de diligência em matéria de sustentabilidade: aqui vamos nós!

24/02/2022

Foi divulgada pela Comissão Europeia a tão esperada proposta de diretiva relativa ao dever de diligência (due diligence) das empresas em matéria de sustentabilidade.

Como era de esperar na sequência da resolução aprovada pelo Parlamento Europeu a 10 de março de 2021, as implicações para as empresas são muitas e impactam a sua organização e forma de atuar, afetando também as entidades com que mantém relações comerciais.

As empresas serão obrigadas a identificar e, se necessário, prevenir, eliminar ou atenuar os impactos adversos das suas atividades nos direitos humanos, como o trabalho infantil e a exploração dos trabalhadores, e no ambiente, por exemplo a poluição e a perda de biodiversidade.

Diversos Estados-Membros haviam já introduzido regras nacionais de dever de diligência e algumas empresas haviam também decidido tomar medidas voluntariamente. Contudo, a Comissão Europeia considerou que a heterogeneidade de regras criava distorções entre empresas e a adoção voluntária dificilmente produziria o impacto necessário.

Empresas abrangidas

As novas regras de dever de diligência aplicar-se-ão quer às empresas com sede na União, quer às empresas de países terceiros que sejam ativas na UE, aqui num elemento de extraterritorialidade cada vez mais frequente na regulação europeia.

Tratando-se de empresas da UE as regras serão aplicáveis a:

  • sociedades com dimensão e poder económico substanciais, i.e. entidades com mais de 500 trabalhadores e 150 milhões de EUR de volume de negócios líquido a nível mundial;
  • outras sociedades que operem em setores definidos de elevado impacto (por exemplo na agricultura, nos têxteis ou nos minerais) que não atingindo ambos os limiares acima referidos tenham mais de 250 trabalhadores e um volume de negócios líquido de 40 milhões de EUR ou superior a nível mundial (para estas empresas, as regras começarão a ser aplicáveis dois anos mais tarde).

A diretiva será igualmente aplicável às empresas de países terceiros que atuem na UE, com um volume de negócios gerado na UE acima dos limiares acima referidos, devendo estas nomear um representante com sede na EU para efeitos da diretiva.

A proposta aplica-se não apenas às operações da própria empresa e das suas filiais mas também às suas cadeias de valor (relações comerciais estabelecidas diretas e indiretas).

As PME não são diretamente abrangidas pelo âmbito de aplicação desta proposta mas serão certamente afetadas de forma substancial sempre que integrem a cadeia de valor das grandes empresas, o que será especialmente relevante para as empresas exportadoras.

Setor financeiro

A diretiva refere-se expressamente em diversas ocasiões à sua aplicação ao setor financeiro em resultado de algum debate que existiu sobre a aplicação a este setor dos Princípios Orientadores relativos às Empresas e Direitos Humanos (UNGP) pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU.

As atividades das empresas que devam ser incluídas na cadeia de valor das instituições financeiras em resultado dos serviços financeiros prestados devem incluir apenas as atividades diretamente financiadas ou objeto desse serviço, não podendo ai ser incluídas PME.

Por outro lado, em situações de concessão de crédito ou prestação de serviços financeiros, a identificação de impactos adversos reais e potenciais sobre os direitos humanos e impactos ambientais adversos apenas deve ser realizada antes da concessão do crédito ou fornecimento do serviço.

No âmbito da cessação ou mitigação do impacto real as instituições financeiras não serão obrigadas a rescindir o contrato de crédito, empréstimo ou outro serviço financeiro quando isso puder ser razoavelmente esperado para causar prejuízo substancial ao devedor ou à entidade a quem esse serviço é prestado.

Conteúdo prático mais imediato do dever de diligência

A fim de cumprir o seu dever de diligência, as empresas devem:

  • dispor de um plano para garantir que a sua estratégia empresarial é compatível com a limitação do aquecimento global a 1,5 °C, em conformidade com o Acordo de Paris (aplicável apenas às grandes empresas);
  • integrar o dever de diligência nas suas estratégias;
  • identificar impactos adversos reais ou potenciais nos direitos humanos e no ambiente;
  • prevenir ou atenuar potenciais impactos;
  • pôr termo aos impactos reais ou minimizá-los;
  • estabelecer e manter um procedimento de reclamação;
  • controlar a eficácia da estratégia e das medidas em matéria de dever de diligência;
  • reportar sobre o dever de diligência e a sua aplicação.

Impactos adversos relevantes

O dever de diligência ao abrigo da diretiva deve ser efetuado no que diz respeito a todos os impactos adversos nos direitos humanos e no ambiente identificados no seu anexo.

Isto significa que as empresas devem tomar medidas adequadas para prevenir, eliminar ou atenuar os impactos nos direitos e proibições previstos nos acordos internacionais em matéria de direitos humanos, tais como, direito de gozar de condições de trabalho justas e favoráveis, incluindo um salário, uma vida digna, condições de trabalho seguras e saudáveis e limitação razoável de horas de trabalho, proibição de trabalho infantil, trabalho forçado, etc. As empresas são ainda obrigadas a tomar medidas para prevenir, eliminar ou atenuar impactos ambientais negativos que contrariam diversas convenções multilaterais no domínio do ambiente, incluindo a obrigação de tomar as medidas necessárias relacionadas com o uso de recursos biológicos, a fim de evitar ou minimizar impactos adversos sobre diversidade, violação da proibição de manuseio, coleta, armazenamento e descarte de resíduos de uma forma que não seja ambientalmente correta, etc.

Dever de terminar impactos reais e minimizá-los

A diretiva prevê expressamente um dever de minimizar ou terminar os impactos reais que se venham a verificar.

Este dever inclui a obrigação de:

  • neutralizar o impacto adverso ou minimizar sua extensão, inclusive pelo pagamento de compensações às pessoas ou comunidades afetadas;
  • sempre que o impacto adverso não pode ser imediatamente terminado, desenvolver e implementar um plano de ação corretiva com cronogramas de ação claramente definidos e indicadores qualitativos e quantitativos para medir a melhoria;
  • obter compromissos contratuais de um parceiro com quem tenha estabelecido relacionamento comercial de que cumprirá o código de conduta e, conforme necessário, um plano de ação corretiva, inclusive pela obtenção de compromissos contratuais de seus parceiros, na medida em que façam parte da cadeia de valor (cascata contratual);
  • fazer os investimentos necessários, em processos de gestão ou de produção e infra-estruturas;
  • fornecer apoio direcionado e proporcional a uma PME com a qual a empresa tem uma relação comercial estabelecida, onde o cumprimento do código de conduta ou o plano de ação corretiva colocaria em risco a viabilidade do SME;
  • colaborar com outras entidades, incluindo, quando relevante, para aumentar a capacidade da empresa de terminar o impacto adverso, em particular quando nenhuma outra ação é adequada ou eficaz.

A posição dos administradores

Os administradores das empresas sujeitas ficam obrigados a implementar e a supervisionar a aplicação dos processos internos de devida diligência e integrar o dever de diligência na estratégia empresarial.

A diretiva prevê expressamente que os administradores devem ter em conta na tomada das suas decisões as consequências que possam resultar em termos de direitos humanos, clima e ambiente, bem como as consequências prováveis de qualquer decisão a longo prazo. A nosso ver em Portugal os administradores que pretendam fazer-se valer da business judgment rule já deveria ter em conta estas consequências, sendo que esta regra expressa poderá ter impactos ainda mais amplos.

Também a remuneração variável que esteja associada ao seu contributo para a estratégia empresarial da empresa, bem como para os interesses e a sustentabilidade a longo prazo, deve ter devidamente em conta o cumprimento das obrigações do plano empresarial relativas às alterações climáticas.

Mecanismos de enforcement

A proposta prevê a designação de autoridades administrativas independentes nacionais a designar pelos Estados-Membros que serão responsáveis pela supervisão destas novas regras e poderão impor coimas em caso de incumprimento baseadas no volume de negócios das empresas (como acontece no RGPD).

Além disso, as vítimas terão a possibilidade de intentar ações judiciais para ressarcimento de prejuízos que poderiam ter sido evitados através de medidas de diligência adequadas.

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