Notícia

"Para as grandes firmas, há cada vez mais uma inclinação clara para grandes litígios empresariais"

03/08/2020

 

O sócio sénior da PLMJ, Nuno Líbano Monteiro, esteve à conversa com a Advocatus e afirma que a nova geração tem de "saber ler o presente e o futuro e dar uma resposta à altura".

Neste contexto, em que foi apresentado o Plano de António Costa Silva para o país, no que à Justiça toca, quais é que acha que são as questões urgentes que têm de ser manifestamente resolvidas?

O Plano Costa e Silva versa sobre a recuperação económica, pelo que eu irei cingir-me à justiça económica.

Olhando para os aspetos do plano que se referem às matérias de justiça económica, começaria por dizer que não existe, verdadeiramente um problema de qualidade na justiça em Portugal. Existe, antes um problema de celeridade e apenas na primeira instância. Devo referir que, mesmo com o aumento de litigiosidade das últimas duas décadas, o backlog tem vindo a melhorar consideravelmente, fruto de reformas que foram sendo feitas e do reforço de meios técnicos e humanos. Infelizmente não ainda não chega.

O principal problema a resolver reside nos tribunais de comércio e, principalmente, nos tribunais de comércio das comarcas de Lisboa e do Porto. Estes tribunais, cuja competência deveria estar especializada não apenas em matérias insolvenciais e societárias, mas também na generalidade dos contratos comerciais, estão inundados de processos que não têm dignidade para ser tramitados por um juiz. Falo naturalmente dos processos de insolvência, muito particularmente da liquidação de patrimónios, que deveria estar fora dos tribunais. Aparentemente Costa e Silva acolhe esta ideia.

Mas há muitas outras medidas que, não revolucionando o sistema (não se pode estar sempre a mudar), poderiam acelerar muito os processos e que não estão neste plano. Dando apenas alguns exemplos e seguindo a marcha do processo, creio que a citação e notificações das pessoas coletivas deveria ser feita por agente de notificações (figura incluir no registo comercial), todas as marcações deveriam ser precedidas de contacto pela secretaria, para evitar remarcações, deveria imperar o regime da realização das audiências prévias por conferência telefónica ou videoconferência, muito se ganharia se os depoimentos das testemunhas e demais depoentes fossem feitos por escrito ajuramentado, servindo a audiência final apenas para a cross examination.

Para lá de medidas concretas, é de uma mudança de paradigma que precisamos. Em lugar do processo rígido e legitimador atual, é preciso caminhar para um sistema de cariz anglo-saxónico, em que as partes e o tribunal autorregulam o modo com o processo se deve desenvolver, tendo em vista a obtenção de uma decisão justa da forma mais célere e eficaz. Há uns meses, num encontro de advogados em Bruxelas, um colega holandês dizia que o tribunal de Amesterdão está a publicitar a jurisdição holandesa como um destino atrativo para o investimento das empresas na medida em que o processo judicial é justo, célere, dispensa os elevados custos de arbitragens e por aceitarem que o processo corra em língua inglesa. Pensei imediatamente no caminho que ainda temos de percorrer para que os tribunais institucionalmente solicitem processos, em vez de quererem apenas resolver os que ainda têm em atraso.

Como se pode mudar a gestão dos processos judiciais, tornando-a mais eficaz e produtiva?

A partir de 2006, primeiro com um regime experimental e depois com a sua consagração em permanente em 2013, o legislador dotou o juiz com os poderes necessários para, dentro de determinados limites, organizar o desenvolvimento do processo do modo a obter uma realização célere e eficaz da justiça. A minha experiência demonstra que a gestão do processo pode assim ser fortemente influenciada pela qualidade e voluntariedade do juiz do processo. Basta, aliás, olhar para um grande tribunal para verificar que alguns juízes têm a sua agenda absolutamente impecável, com os processos em dia e outros têm um backlog muito grande.

O princípio do juiz natural, regra basilar da independência do poder judicial, que proíbe a atribuição de uma competência ad hoc a um certo juiz ou tribunal para julgar um caso específico, é de algum modo inimigo da gestão judicial, pois não permite a atribuição individualizada de processos, como se da gestão de uma empresa se tratasse, onde o capataz determina quem deve fazer o quê. Se a administração da justiça pudesse ser tratada empresarialmente, grande parte dos problemas de produção judicial estariam resolvidos. Mas como tal não é possível, por razões óbvias de segurança e independência, entendo que a gestão de um tribunal deve ser feita com uma grande capacidade de antecipação do fenómeno da justiça, de modo a conseguir antever o desenvolvimento da economia, seja por setores seja em termos regionais, para conseguir dotar os tribunais competentes territorialmente ou em razão da matéria para a cadência de processos que se seguirá. Dando um exemplo prático: Há alguma dúvida que os processos de insolvência e pré-insolvência (PER) vão aumentar exponencialmente nos próximos meses? Já foram tomadas as medidas necessárias para que os tribunais de comércio possam responder celeremente a essa pressão que vai acontecer?

Ainda temos processos judiciais pouco simplificados? A tramitação eletrónica ainda é uma miragem?

Os processos são hoje na sua totalidade processados eletronicamente. A fase escrita não é assim fonte de qualquer atraso no andamento dos autos. Mas, pode-se fazer mais e recordo que estou a pensar em matéria de justiça económica e, dentro desta, da justiça aplicada às empresas.

Nos dias de hoje não há grandes motivos para que a citação – fase que mais atrasa o andamento dos processos – não seja feita por via eletrónica. Se for criada a figura do agente de notificações, devidamente registado, este poderia ser obrigado as ter um endereço eletrónico registado, para onde, com todas as cautelas de certificação eletrónica, se fariam as notificações.

O sistema de infraestruturas e equipamentos estão aptos para a tão falada e desejada modernização dos tribunais?

Há ainda muito para fazer e para equipar. Grande parte dos tribunais não tem a largura de banda necessária para se fazer a videoconferência. Mas não me parece que o serviço de justiça deva ser proprietário de equipamentos tecnológicos.

A maioria das empresas geridas de forma eficaz aluga os seus equipamentos e serviços tecnológicos, conseguindo com isso manter uma qualidade de hardwares, software e infraestrutura aceitável. Será que este tipo de outsourcing já foi tentado na justiça? Conheço o caso do campus de justiça, no Parque das Nações que é uma infraestrutura que funciona bastante bem e cuja gestão logística está em boa parte entregue ao proprietário dos edifícios.

Como objetivo a atingir, a gestão logística e de infraestruturas deve ser feita por especialistas, que têm de criar condições para que ao estado fique atribuída apenas a nobre e soberana função judicial.

Quais são os processos que “parasitam” e impedem o desenvolvimento e conclusão em tempo útil da justiça?

Nos tribunais de comércio, os processos de insolvência. Nos criminais os processos megalómanos, nos juízos de execução, a litigância decorrente da falta de património dos devedores, sendo assim em boa parte responsabilidade das instituições financeiras que continuam a conceder crédito sem as cautelas devidas.

Os meios de resolução alternativa de litígios em Portugal são usados como devem? Ou ainda são vistos apenas como solução secundária?

Ainda não são usados como devem. Tem existido um esforço legislativo grande na promoção dos ADR, não só em Portugal, mas até sobretudo a nível europeu e internacional – veja-se a convenção de Singapura por exemplo, mas na realidade os ADR ainda estão muito subaproveitados em Portugal, sobretudo utilizados em litígios de baixo valor e complexidade.

Quando na realidade, a nível internacional, são utilizados não só como meios de desoneração dos tribunais, mas, sobretudo, como meios de resolução eficaz de disputas de grande complexidade, especialmente eficazes em relações comerciais complexas e duradouras, onde as partes não prescindem de um nível de controlo do resultado que seja, de facto, benéfico e útil.

Portugal está hoje melhor preparado para trazer os ADR para a primeira linha da resolução de conflitos, mas é muito importante que esse movimento seja promovido não apenas pela via legislativa mas também pelos principais intervenientes, incluindo juízes, advogados e a academia, que pode assim emprestar a necessária credibilidade a estes mecanismos.

Como se pode poupar tempo e energia aos tribunais?

Há litígios em fase de contencioso que chegaram a esse nível adversarial por falta de conhecimento e conforto na utilização dos ADR.

Estes mecanismos de resolução alternativa de litígios podem retirar muito do volume dos nossos tribunais sem que isso signifique uma diminuição das garantias dos sujeitos processuais. Por exemplo, temos hoje mediadores muito competentes (embora muito possa e deva ser feito na sua continuada formação) que podem e devem ser chamados pelos próprios tribunais a assistir na resolução adequada do litígio. As partes não têm, na maior das vezes, nada a perder e tudo a ganhar. A mediação é confidencial e autónoma do processo judicial e éÉ substancialmente mais rápida e barata que um processo adversarial.

Os juízes usam pouco as técnicas de conciliação judicial?

Os juízes até podem usar algumas técnicas conciliatórias, mas as partes não têm nem querem ter com o juiz da sua causa o nível de abertura necessário numa conciliação ou negociação assistida. Há sempre factos ou argumentos que não se querem ver prejudicados caso não seja alcançado um acordo e o processo tenha de prosseguir.

É natural e razoável que assim seja, daí que a questão não seja tanto a capacidade dos juízes em utilizarem técnicas de conciliação, mas a disponibilidade das partes em aproveitá-las.

Diria que é mais importante ter um juiz a promover a suspensão de um processo e o seu envio para mediação, sem que isso atrase o normal andamento dos autos, do que ter o próprio juiz a fazer esse papel.

A PLMJ atravessa uma fase de clara mudança e de transição geracional. Que legados deixaram José Miguel Júdice e os restantes fundadores?

Tive o privilégio de ser estagiário do José Miguel Júdice e de trabalhar com todos os fundadores. A geração que hoje está na casa dos 40 anos é já a segunda geração após os Fundadores. Pertenço à primeira geração pós-fundadores e creio termos conseguido pegar no bastão que, no virar do milénio, os fundadores nos entregaram. Com a minha geração, a PLMJ do século XXI triplicou a sua dimensão – somos mais de 400 pessoas, quase 300 advogados – com o salto correspondente em termos de qualidade, notoriedade e posição de liderança no setor jurídico que é reconhecida pelos Clientes e visível na avaliação que fazem do nosso trabalho e que é refletida nos rankings jurídicos de referência mundial.

Olhando para o presente e futuro, a missão da geração que se segue, a atual, é clara: a de superar o legado que construímos como líderes e que também eles ajudaram a construir ao longo das últimas décadas enquanto advogados, continuar a crescer e preparar os próximos 20 anos.

A nova geração da PLMJ tem de fazer o que PLMJ soube fazer ao longo de mais de 50 anos: saber ler o presente e o futuro e dar uma resposta à altura, suportada no talento das suas pessoas e de olhos postos no que é, de facto, o catalisador de crescimento do país: as empresas. E fazê-lo olhando para dentro, para as nossas pessoas. Possuímos dentro de casa a qualidade técnica necessária para ir ainda mais além e temos uma equipa que se renovou e que está motivada. O Conselho de Administração de hoje clarificou o rumo do negócio e os valores da sociedade. É preciso agora continuar e desenvolver a PLMJ como uma sociedade profissional composta por pessoas, muito exigente e alinhada, mas simultaneamente atenta às particularidades de cada um.

O contencioso está a ser uma área que está a perder relevância no mercado dos grandes escritórios?

Muito pelo contrário. Na PLMJ, no ano de 2019, o contencioso cresceu a dois dígitos e patrocinou (e continua a patrocinar) clientes empresariais em litigâncias comerciais de grande complexidade, transnacionais e representando, por exemplo, construtores da indústria automóvel, banca internacional, fundos de investimento, entre vários. É muito interessante e particularmente desafiante participar ativamente em processos e no desenvolvimento de estratégias de contencioso em que se tem de pensar de forma global e não apenas nos processos que correm nos tribunais portugueses ou mesmo europeus.

Dito isto e pensando mais estrategicamente o longo prazo – e a reorganização da nossa área de Resolução de Litígios também reflete isso mesmo – para as grandes firmas, há cada vez mais uma inclinação clara para grandes litígios empresariais, em detrimento de pequenos assuntos e por razões muito fáceis de entender: formámos ao longo do tempo equipas para estarem especialmente preparadas para assuntos de elevada complexidade e para acompanharem litígios (numa lógica também de advocacia preventiva e não meramente reativa) que requerem equipas multidisciplinares e com dimensão. É natural que concentremos os nossos recursos em assuntos e clientes que tenham essa necessidade e exigência, ao invés de dispersá-los por assuntos que terão uma resposta mais adequada em sociedades de menor dimensão e boutiques melhor capacitadas para uma lógica de cliente individual ou de pequenos assuntos.

O que distingue a PLMJ de há cinco anos da atual?

Como senior partner da maior área de Resolução de Litígios do país, responderia refletindo sobre contencioso e insolvência, que são as áreas em que sinto ter influenciado fortemente o caminho traçado nos últimos anos. A PLMJ há muito que se destaca na área de Resolução de Litígios e isso é reconhecido pelos diretórios de referência que relevam na medida em que refletem a forma como os clientes e pares nos avaliam. Dito isto, e apesar de há muito sermos uma firma Tier 1nestas áreas, a realidade é que a Resolução de Litígios da PLMJ de hoje é muito melhor tecnicamente do que a de há 5 anos. E as razões são simples: fruto de uma estratégia de procura da excelência no contencioso, dando carreira a jovens advogados e fazendo lateral hirings, formámos uma equipa extraordinária de litigators.

E repare que esta aposta já não se encontra suportada nos Fundadores como, aliás, não poderia deixar de ser, quando se trata de grandes projetos que, para serem grandes, duradouros e em constante crescimento, podem e devem superar os indivíduos, por muito que tenham sido os estes a lançar os alicerces. Somos uma leading firm nesta área e com um crescimento assinalável, que espero prossiga nos próximos anos.

O que distingue a PLMJ dos escritórios da concorrência?

50 anos de história criaram uma marca e uma identidade muito fortes. Há 20 anos, PLMJ era a expressão que procurava refletir a passagem do testemunhos de quatro fundadores. Hoje a PLMJ tem quatro letras, mas reflete 400 pessoas. De ciclo em ciclo, de liderança em liderança, enfrentámos revoluções, crises económicas, transformações sociais, evoluções culturais, tumultos internos e externos. Devo dizer que, tendo feito aqui a minha carreira e olhando já com uma serenidade e experiência que só é possível com algumas décadas de carreira, que temos uma resiliência única. Mas isso não chegaria para sermos a sociedade que somos hoje. Talvez um dos aspetos que mais nos distingue das nossas pares, é este espírito combativo e liberdade individual que caracteriza as pessoas da PLMJ e que cria uma identidade única no setor jurídico nacional. A PLMJ foi e deverá continuar a ser a síntese dessa diversidade, liberdade e até rebeldia. Têm sido estas características que nos têm permitido reinventar e mudar sempre que o contexto nos volta a desinquietar para fazer mais e melhor.

Profissionais relacionados

Mantenha-se informado

Please note, your browser is out of date.
For a good browsing experience we recommend using the latest version of Chrome, Firefox, Safari, Opera or Internet Explorer.