Nota Informativa

Panorama anual – Aplicação do Direito da Concorrência em Portugal

02/02/2023

Esta nota fornece uma visão geral sobre o atual panorama da aplicação do Direito da Concorrência em Portugal. A Autoridade da Concorrência Portuguesa (AdC) teve outro ano muito ativo, sendo ainda de destacar os desenvolvimentos significativos ao nível do private enforcement:

1. O período mais ativo da existência da AdC resultou em coimas com valores recorde.

Durante o mandato do atual executivo da AdC, houve um aumento significativo na atividade desta Autoridade. O número a destacar – coimas totais – é superior a 1,5 mil milhões de euros desde 2016. Mais de mil milhões de euros desse montante está relacionado com decisões de condenação desde 2019. Só em relação à ampla investigação da AdC em casos de “hub-and-spoke” (nove decisões de infração adotadas desde 2020), as coimas ascenderam a 681 milhões de euros. A fase de recurso judicial destes casos teve início em outubro de 2022 e deveremos assistir a desenvolvimentos em 2023. Portugal surge como o Estado-Membro da União Europeia com o maior número de casos de “hub-and-spoke” até à data. Será interessante perceber como e em que medida as decisões da AdC resistem ao escrutínio dos tribunais e se o Tribunal da Concorrência procurará a ajuda do Tribunal de Justiça da União Europeia na interpretação da lei nesta área.

2. Prioridades atuais – cartéis, economia digital e mercados de trabalho.

A AdC continuará, em nosso entender, a centrar-se na deteção de cartéis (em particular os que se relacionam com a contratação pública) e na prossecução de casos relacionados com o mercado de trabalho. Relativamente à deteção/investigação de cartéis, em 2022 a AdC recebeu 8 pedidos de clemência. A AdC também tem como objetivo de longa data a aplicação do Direito da Concorrência aos mercados digitais. Até hoje tem havido pouca atividade nesta frente, embora o cenário possa alterar-se em 2023.

3. Controlo de concentrações - enfoque renovado no “gun jumping”.

Em 2022, a AdC recebeu 62 notificações de operações de concentração. Um caso foi remetido para a Fase 2 (fase de investigação aprofundada) no final do ano passado, mas não houve proibições em 2022 e apenas num caso foram necessários compromissos (na Fase 1). O principal ponto de interesse é o maior enfoque no “gun jumping”. Em 2022, a AdC adotou a sua coima mais elevada de sempre (2,5 milhões de euros - anteriormente, a coima mais elevada tinha sido de 300 mil euros) e conduziu cinco investigações de “gun jumping”. Em Dezembro de 2022, a AdC adotou o Guia de Boas Práticas relativo ao “gun jumping” que se concentra no planeamento da integração da empresa adquirida e na troca de informações durante a due diligence. Esta será, provavelmente, uma área em que a AdC procurará obter mais informações das partes envolvidas na concentração durante o processo de análise. Para além disso, a AdC continua, regra geral, a aprovar transações não problemáticas de forma relativamente célere – em alguns casos em apenas 3/4 semanas (o período de revisão da Fase 1 é de 30 dias úteis).

4. Private Enforcement - novos Autores e interesse de litigation funders internacionais.

As ações populares foram o desenvolvimento chave no panorama nacional da aplicação da lei do private enforcement em 2021. Em 2022, uma série de ações populares adicionais foram intentadas pela associação de consumidores que tem sido a mais ativa neste campo (Ius Omnibus). Surgiram também novos Autores com recurso a litigation funding, e com a assistência da Sociedade de Advogados internacional Hausfeld. Portugal tem sido uma jurisdição que atraiu a atenção dos advogados e das entidades patrocinadoras de litígios internacionais, pelo que antecipamos mais desenvolvimentos nesta frente em 2023. O ano passado também ficou marcado pelas três primeiras sentenças no processo Trucks (duas das quais resultaram na condenação na totalidade dos danos reclamados; uma não procedeu devido à verificação da prescrição).

5. Nova Lei da Concorrência.

As alterações à Lei da Concorrência portuguesa, que incorporou a Diretiva ECN+, entraram em vigor em setembro de 2022. Destacamos dessas alterações: (i) a AdC passar a ter (ainda) maior margem de manobra para impor coimas mais elevadas; (ii) passar a existir um prazo alargado para recorrer das decisões condenatórias da AdC (60 dias em vez de 30); e (iii) ser prevista a suspensão do prazo de prescrição durante o período de recurso nos processos de concorrência, entre outros pontos de interesse. Um ponto adicional a salientar é que a AdC está a aumentar as suas capacidades de “e-discovery” (buscas informáticas).

6. Nova presidência da AdC.

A atual Presidente da AdC – Margarida Matos Rosa – terminou o seu mandato de 6 anos em dezembro de 2022. A atual Presidente tem sido o principal fator impulsionador da agenda da AdC. O sucessor nomeado foi Nuno Cunha Rodrigues. O Professor Cunha Rodrigues é um académico e a sua nomeação foi confirmada pelo Parlamento a 1 de fevereiro de 2023. Nas declarações que já prestou perante o Parlamento, o Professor Cunha Rodrigues indicou que, sob a sua liderança, a AdC dedicará os seus recursos a uma série de áreas-chave:

a) Investigação de potenciais cartéis de crise resultantes de tendências globais recentes, tais como a pandemia COVID-19 e as pressões inflacionistas;

b) Potenciais casos de conluio na contratação pública;

c) Transações com eventuais práticas de “gun jumping” ou “killer acquisitons”;

d) Aplicação do Direito da Concorrência aos mercados digitais;

e) Desenvolvimento das capacidades da AdC para detetar práticas anticoncorrenciais.

Esperamos que 2023 seja um ano preenchido em todas as frentes. Por favor, não hesite em contactar-nos se tiver alguma questão relacionada com algum dos pontos abordados nesta nota ou alguma questão relacionada com a aplicação do Direito da Concorrência.

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