Nota Informativa

Restrição do âmbito de Portaria de extensão

24/01/2022

Em Acórdão de 13.01.2022, proferido no Processo n.º 1842/19.9T8FAR.E1, o Tribunal da Relação de Évora tomou posição clara no debate sobre a não aplicabilidade de um Contrato Coletivo de Trabalho (CCT), objeto de portaria de extensão, a empresas filiadas em associação de empregadores não outorgante do CCT objeto de extensão.

É conhecida a incerteza jurídica com que se debatem as empresas nas situações em que vários instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho são potencialmente aplicáveis à sua atividade. Não só a pesquisa dos instrumentos potencialmente aplicáveis é complexa, como as regras de conflitos são de difícil apreensão e resultam mesmo em decisões contraditórias nos tribunais.

Esta dificuldade verifica-se mesmo em empresas filiadas numa associação de empregadores, sendo frequentemente confrontadas com a suposta aplicabilidade de instrumentos coletivos negociados por outras associações de empregadores que não aquela em que a empresa se filiou, o que sucede por via de portaria de extensão.

Esta invasão do espaço da autonomia coletiva das empresas por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho negociados por terceiros, muitas vezes terceiros com pouquíssima representatividade no universo dos potenciais abrangidos, é geradora de uma patente insegurança na definição e observância do estatuto laboral dos trabalhadores e de contingências imprevisíveis na atividade empresarial.

Ora, a Relação de Évora, deu um passo jurisprudencial importante ao adotar a interpretação jurídica que limita o alcance da aplicação das portarias de extensão, tendo sustentado que um empregador não pode ser abrangido por instrumento de regulamentação coletiva outorgado por associação em que não se encontra filiado mesmo que esta tenha sido estendida por portaria, desde que se encontre filiado noutra associação de empregadores, outorgante de um instrumento de regulamentação próprio.

Deste modo, o Acórdão privilegia a autonomia negocial e a liberdade contratual das Partes, também na sua vertente negativa, salvaguardando o espaço de atuação de empresas e trabalhadores e a sua segurança jurídica na definição de um estatuto laboral estável e previsível, assim como a sua liberdade de associação.

Note-se que a tese subscrita no Acórdão é simplesmente a outra face da moeda num entendimento que protegia os próprios trabalhadores sindicalizados. Com efeito, no passado os tribunais já haviam sufragado, em defesa dos direitos de autonomia coletiva e de liberdade de associação (aí) dos trabalhadores1, a posição de que estes não poderiam ver-lhes aplicada convenção coletiva negociada e celebrada por estrutura representativa dos trabalhadores à qual os mesmos são alheios.

De tudo isto o Acórdão da Relação de Évora dá conta num trecho particularmente ilustrativo:

Pedro Romano Martinez, entende que “a portaria de extensão não deverá abranger o alargamento de aplicação duma convenção coletiva aos trabalhadores de um sindicato não signatário do acordo e aos empregadores filiados noutra associação de empregadores”.

Este autor justifica do modo seguinte:

“Admitindo-se que a extensão do instrumento autónomo pode abranger trabalhadores filiados em outra associação sindical, estar-se-ia a pôr em causa a autonomia contratual desse sindicato, cuja liberdade negocial ficaria coartada. (…).

“Se um determinado sindicato não quis negociar e celebrar aquela convenção coletiva, ou não pretendeu, depois desta estar celebrada, aderir a esse instrumento, quer isso dizer que ele tinha alguma objeção relativa a essa convenção coletiva.

Assim sendo, se a associação sindical tem uma objeção quanto àquela convenção coletiva ou àquela decisão arbitral, admitir-se que, por via de uma portaria de extensão, os filiados nesse sindicato ficarão submetidos ao sobredito instrumento coletivo, pressupõe que se coarta a autonomia contratual das associações sindicais no que respeita à negociação e celebração de convenções coletivas”.

Este autor aplica também este critério às associações de empregadores do modo seguinte:
“De outra forma, mediante a portaria de extensão, o Governo poderia pressionar os sindicatos e as associações de empregadores, que não queriam determinada convenção coletiva, a, indiretamente, aceitá-la, com o perigo de as partes outorgantes da convenção serem menos representativas do que aquelas a quem se pretende aplicar a convenção por via da portaria de extensão.

Este mesmo entendimento foi seguido no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 20.06.2018, o qual trata esta questão de forma desenvolvida.

Aderimos a este entendimento. Sendo a empregadora associada da AHETA, que tem uma convenção coletiva outorgada com a FETESE, não é admissível estender as convenções coletivas outorgadas pela AHRESP e pela FESAHT e pela APHORT e pela FESAHT à relação laboral entre a ré e os trabalhadores desta, sindicalizados no autor, através de portaria de extensão.

O tribunal valoriza, ainda, o princípio da subsidiariedade expresso no artigo 515.º do Código do Trabalho para reforçar que o alcance e possibilidade de emissão de portaria de extensão se deve limitar aos casos em que exista um vazio de regulamentação coletiva potencialmente aplicável.

O Acórdão de que se dá nota emerge de apelação de decisão da primeira instância que decidiu em sentido contrário, pelo que se pode antecipar um eventual recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

Curiosamente, ainda que limitados ao conhecimento da parte decisória da sentença da primeira instância, a mesma reflete bem a insegurança jurídica de que damos nota porque, aí, o tribunal decidiu que seria aplicável à empresa, entre 01.09.2017 e 30.06.2018 um determinado instrumento coletivo, e a partir de 01.07.2018 outro instrumento, ambos negociados por partes totalmente alheias à empresa em juízo. Ou seja, a empresa estaria obrigada a aplicar um determinado instrumento durante apenas 10 meses, sendo-lhe depois aplicável outro instrumento, possivelmente apenas até uma nova portaria de extensão surgir e impor-se-lhe também, sem que tenha tido intervenção.

Em suma, a decisão em apreço é um importante contributo para clarificar o quadro do estatuto laboral a empresas e trabalhadores, o que é fundamental para a estabilidade das relações laborais.

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