Nota Informativa

Acidentes de trabalho em teletrabalho

07/01/2022

Um contributo da jurisprudência alemã

No passado dia 8 de Dezembro de 2021, o 2.º Senado do Tribunal Federal Social (Bundessozialgericht) (referência do ato B 2 U 4/21 R), veio considerar que configura um acidente de trabalho aquele que ocorre dentro da habitação do trabalhador que se encontre em teletrabalho, durante a deslocação para o seu espaço de trabalho.

O caso conta-se, resumidamente, da seguinte forma: um trabalhador encontrava-se a fazer o trajeto para o trabalho do seu quarto para o andar de baixo da casa onde se encontra o seu escritório. Ao descer a escada em espiral que liga as divisões, escorregou e partiu uma vértebra torácica. A associação profissional, Ré na ação, recusou qualquer responsabilidade em resultado do acidente. Enquanto o Tribunal Social (Sozialgericht) considerou o primeiro trajeto matinal da cama até ao homeoffice como sendo uma deslocação para o local de trabalho coberta por seguro, o Tribunal Regional Social (Landessozialgericht) considerou-o um ato preparatório não segurado, que apenas precede a prestação laboral propriamente dita. No entanto, o Tribunal Federal Social (Bundessozialgericht) veio a revogar esta segunda decisão e firmar o entendimento, o acidente ocorrido na deslocação para o espaço de trabalho no domicilio do trabalhador (homeoffice) consistiu na primeira prestação de trabalho do trabalhador e, por isso, encontra coberta por seguro enquanto deslocação para o local de trabalho, que consiste numa prestação no interesse do empregador.

Ora, esta decisão é francamente importante e referencial não apenas na Alemanha, mas também em Portugal, dado que nem todos os acidentes ocorridos com trabalhadores que se encontram em teletrabalho, devem ser qualificados como acidentes de trabalho.

É que, desde logo, o teletrabalho caracteriza-se pela circunstância do trabalhador executar a sua atividade a partir de um espaço que não é determinado pelo empregador, que este não controla, a que não tem fácil acesso, nem liberdade para o adaptar. Por outro lado, é sabido que o teletrabalho permite aos trabalhadores, na esmagadora maioria dos casos, uma gestão mais flexível aos seus interesses dos períodos de trabalho e não trabalho. Assim, a aferição da responsabilidade de ocorrência de acidentes de trabalho tem de ser vista de uma forma mais cautelosa.

A, recentemente aprovada, Lei n.º 83/2021, vem alterar o art.º 8º da Lei n.º 98/2009, que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho, passando a constar do mesmo que “No caso de teletrabalho ou trabalho à distância, considera-se local de trabalho aquele que conste do acordo de teletrabalho”.

No entanto, segundo nos parece, não basta que um acidente de trabalho, para ser qualificado como tal, ocorra dentro do no local de trabalho acordado com o trabalhador, ainda que durante o período normal de trabalho. É necessário apurar bem as circunstâncias do caso concreto. Como bem aponta a decisão Tribunal Federal Social (Bundessozialgericht), parece ser importante estabelecer uma conexão com a prestação de trabalho, ou seja, o ato, no contexto do qual ocorre o acidente, tem de servir os interesses do empregador. Por outras palavras, é necessário que o acidente ocorra no contexto de atos preparatórios da prestação de trabalho, ou no âmbito da prestação de trabalho, ou no contexto de conclusão de trabalhos.

Tal é especialmente importante nas situações de teletrabalho em que há um menor controlo do empregador sobre a atividade do trabalhador e sobre a gestão que este faz dos tempos de trabalho e não trabalho (pensemos, por exemplo, no trabalhador que interrompe a prestação de trabalho, apesar de estar dentro do seu horário de trabalho, para iniciar a preparação de uma refeição ou para brincar com os filhos e sofre um acidente durante o período normal de trabalho).

Segundo entendemos, o conceito de acidentes de trabalho constante da Lei n.º 98/2009, não foi pensado para a nova realidade do teletrabalho que agora se instala de forma mais generalizada. No entanto, o mesmo tem plasticidade suficiente para a tratar devidamente. Será, no entanto, essencial perceber qual será o critério interpretativo que virá a ser adotado pela jurisprudência nacional em casos semelhantes.

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