Nota Informativa

Obrigação de notificar intermediários viola a Carta de Direitos Fundamentais da UE

16/12/2022

Em resposta à questão prejudicial colocada pelo Tribunal Constitucional da Bélgica, o Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) declarou que advogados que estejam dispensados de comunicarem mecanismos transfronteiriços às respetivas autoridades fiscais ao abrigo do seu dever de sigilo profissional devem também estar isentos da obrigação de notificarem outros intermediários. 

Breve introdução às obrigações de comunicação de mecanismos com impacto fiscal

Em 2018, o Conselho da União Europeia adotou a Diretiva 2018/822, de 25 de maio de 2018 (“DAC 6”), a qual introduziu uma obrigação de comunicação de certos mecanismos transfronteiriços com impacto fiscal às autoridades fiscais de cada país com o objetivo de combater o planeamento fiscal agressivo.

Esta obrigação de comunicação deve ser cumprida por qualquer intermediário que intervenha na conceção, comercialização, organização ou aplicação de tais mecanismos, exceto se o intermediário estiver sujeito a um dever de sigilo profissional. Nestes casos, o intermediário sujeito a segredo profissional deve notificar os restantes intermediários intervenientes na operação de que não procederá à sua comunicação.

A obrigação de reporte pode, ainda, ser da responsabilidade do próprio cliente, quando nenhum intermediário se considere sujeito à obrigação de comunicação.

O caso Orde van Vlaamse Balies (C-694/20)

Na transposição da DAC 6, o Estado Belga considerou que os advogados estão sujeitos a sigilo profissional e, como tal, estão excluídos da obrigação de comunicação de mecanismos à autoridade tributária. Sem prejuízo dessa exclusão, mantém-se, ainda assim, a obrigação de notificar outros intermediários (v.g. contabilistas, consultores,…) de que não comunicará um determinado mecanismo às autoridades fiscais belgas.

Considerando o exposto, o Tribunal Constitucional da Bélgica apresentou um pedido de reenvio prejudicial junto do TJUE, questionando a compatibilidade da transposição belga da DAC 6 com os artigos 7.º e 47.º da Carta de Direitos Fundamentais da União Europeia (“CDFEU”).

Na sua decisão, o TJUE considerou que este regime tem como principais destinatários os advogados, não se revelando compatível com o artigo 7.º CDFEU, que tutela a inviolabilidade da correspondência dos cidadãos e, bem assim, o segredo nas relações entre cliente e advogado. Assim sendo, entende o TJUE que se os advogados, ao abrigo do sigilo profissional, não estão obrigados à comunicação de determinados mecanismos às autoridades fiscais, não devem igualmente estar obrigados a revelar que assessoram determinado cliente perante outros intermediários.

Por fim, e apesar do reconhecido interesse geral na luta contra o planeamento fiscal agressivo e na prevenção do risco de evasão e fraude fiscal, o TJUE entende que qualquer limitação aos direitos garantidos ao abrigo do artigo 7.º da CDFUE deve ser adequada, necessária e proporcional à prossecução daquele fim – o que não será o caso da obrigação de notificação de outros intermediários.

Potenciais impactos em Portugal

Em Portugal, a Lei nº 26/2020, de 21 de julho, que transpôs para o ordenamento jurídico nacional a DAC 6, estabelece que um intermediário, mesmo que abrangido pelo dever de sigilo profissional, está obrigado a comunicar um mecanismo às autoridades fiscais sempre que o cliente confirmar que não o irá fazer. A legislação portuguesa apresenta-se, assim, menos protetora do sigilo profissional dos advogados quando comparada com o regime belga.

Apesar destas diferenças, o acórdão do TJUE no caso Orde van Vlaamse Balies tem importância significativa também no panorama nacional. Ainda que a decisão determine que apenas a obrigação de notificar outros intermediários viola o artigo 7.º CDFEU, a mesma fundamentação poderá ser aplicável mutatis mutandis à própria obrigação de comunicação de mecanismos com impacto fiscal às autoridades tributárias.

Particularmente relevantes serão, também, os pedidos de reenvio prejudicial pendentes (processos n.ºs C-398/21 e C-623/22), nos quais o TJUE deverá pronunciar-se novamente sobre a salvaguarda do dever de sigilo profissional, assim como sobre a utilização de conceitos indeterminados e a sua (in)compatibilidade com o princípio da legalidade em matéria penal e o princípio da segurança jurídica.

A equipa de Fiscal da PLMJ continua a monitorizar os desenvolvimentos relevantes na transposição e implementação da DAC 6 e mantém-se disponível para qualquer esclarecimento necessário.

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