Nota Informativa

Legal finance: Um novo mercado

18/05/2021

 

1. Legal finance: o que é?

Com raízes no final da década de 60 do século XX, o legal finance permite às empresas aceder a novas fontes de financiamento, permitindo-lhes exercer os seus direitos em caso de litígio (através do recurso a instâncias jurisdicionais e arbitrais)1 .

Através deste instrumento, uma terceira entidade financia uma empresa para que esta possa iniciar ou continuar a prossecução de uma ação, bem como assegurar a execução dos seus direitos, e assume, de forma integral e sem recurso, o risco de insucesso dessa ação.

O recurso ao legal finance permite transformar ativos contingentes (ou legal assets) de empresas em ativos com impacto positivo nos seus balanços, sendo uma fonte de liquidez para o financiado.

Estes legal assets podem consistir em (i) direitos litigiosos, i.e., direitos cuja existência é questionada ou cujo enforcement exige o recurso a tribunais, por exemplo, emergentes de incumprimento de contratos; ou (ii) direitos de crédito resultantes de sentenças judiciais ou arbitrais ainda não cumpridas.

A “transformação” ou “revalorização” destes ativos pode operar através de uma das seguintes vias: (i) financiamento, (ii) monetização ou os (iii) recoveries.

No primeiro, o financiador assume (sem recurso) os custos decorrentes dos litígios, recebendo em contrapartida parte dos ganhos (normalmente, cerca de 30%) que possam vir a resultar do desfecho favorável do litígio. Diferentemente, na monetização, pretende-se antecipar às empresas, numa base sem recurso, parte dos ganhos que poderão advir do desfecho favorável de determinado litígio. Por fim, nos recoveries, o financiador pode alternativamente financiar os custos associados à execução de determinada sentença em troca de parte dos resultados, monetizar os direitos económicos resultantes da mesma, ou simplesmente adquiri-los.

Desta forma, e ainda que as empresas objeto de financiamento surjam como os beneficiários imediatos deste tipo de operações, o financiamento de legal assets surge como uma alternativa inovadora e financeiramente atrativa que permite a financiadores diversificar os seus investimentos.

Neste tipo de operações, o advogado surge como um interveniente fundamental, contribuindo ativamente para o alinhamento estratégico do plano de financiamento, para realização de due diligences com vista à análise dos riscos; da análise dos impactos fiscais desse mesmo financiamento; na estruturação de instrumentos contratuais reguladores das relações a estabelecer entre financiadores e financiados; monitorização dos casos; bem como na prestação de aconselhamento jurídico especializado.

Num contexto pós-COVID-19, e antevendo a inevitável emergência do legal finance em Portugal, a PLMJ criou uma equipa multidisciplinar para estruturação e acompanhamento deste tipo de operações, composta por advogados de várias áreas de prática, com destaque para a Resolução de Litígios, Corporate M&A, Private Equity, Fiscal e Mercado de Capitais2.

2. Os produtos do legal finance

Conforme referido, o legal finance permite transformar os legal assets em ativos com impacto positivo nos balanços das empresas através de (i) financiamento, (ii) monetização ou (iii) recoveries.

(i)           Financiamento de direitos litigiosos

Tipicamente, o financiamento de direitos litigiosos opera por via de um contrato celebrado entre titulares de direitos litigiosos e um terceiro financiador que assume (sem recurso) os custos decorrentes desses litígios, em troca de uma percentagem dos ganhos que venham a ser obtidos pelo financiado caso a decisão final lhe seja favorável.

Esta vertente do legal finance tem sido tipicamente utilizada “on a single case basis”, onde são financiados os custos associados a um único litígio judicial ou arbitral, recebendo, como contrapartida, uma percentagem dos ganhos resultantes do eventual vencimento da causa.

Contudo, de forma a mitigar o risco dos financiamentos “on a single case basis”, os financiadores têm recorrido ao financiamento por portfólio, combinando, num único investimento, diversos litígios com diferentes riscos de forma a efetuar uma “cross-collateralization” do seu investimento, i.e., permitindo que eventuais perdas num caso sejam compensadas com ganhos em outros casos.

(ii)         Monetização

A monetização traduz-se na possibilidade de os financiados anteciparem, numa base sem recurso, parte dos direitos (económicos) que poderão advir do desfecho favorável de determinado litígio, permitindo, desta forma, que as empresas obtenham uma liquidez adicional através da monetização desses ativos.

A empresa financiada pode utilizar o capital que obteve através da monetização para fazer face aos custos e encargos decorrentes da propositura de uma ação, mas também poderá utilizar este capital para a atividade económica da empresa.

Esta via tem vários benefícios permitindo um fluxo imediato de dinheiro, precisamente quando este é mais necessário, assim como o acesso imediato a capital, em vez de esperarem que os casos sejam resolvidos, mitigando a exposição da empresa ao risco.

(iii)        Recoveries

Ganhar a causa não é necessariamente sinónimo do cumprimento do direito: não raras as vezes, as decisões judiciais e arbitrais não são cumpridas pela parte vencida, carecendo, portanto, de ser executadas.

Também neste campo, o legal finance pode servir como instrumento de financiamento para obter o cumprimento destas sentenças. Falamos, aqui, das recoveries, enquanto produto do legal finance, onde o financiador fornece capital para fazer face aos custos associados à execução da sentença, recebendo uma parte do resultado, monetizar parte deste direito já reconhecido judicialmente ou mesmo cedê-lo.

Em geral, as empresas recorrem a este produto do legal finance quando preferem ter o dinheiro imediatamente disponível. Apesar de o retorno ser menor comparativamente com os restantes produtos do legal finance, este produto pode, ainda assim, ser benéfico.

3. O legal finance e a empresa em crise

O exposto nos pontos anteriores torna-se mais premente tendo em conta os efeitos económicos provocados pela crise pandémica, que impactou negativa e consideravelmente a tesouraria das empresas, incrementando, em igual medida, os casos (e o risco) de insolvências, fraudes, incumprimentos contratuais e de violação de direitos e, concomitantemente, o risco de litigiosidade entre os vários agentes económicos.

Poucos são os negócios ou empresas à “prova de pandemia” e, dada a interdependência (global) dos vários agentes económicos, a insolvência de uma empresa poderá ter efeito “bola de neve” na respetiva cadeia de fornecedores, credores e restantes partes da cadeia de fornecimento que alimenta o negócio.

 A nível internacional, estamos a assistir a um aumento das empresas que recorrem ao regime insolvencial com vista a ganharem algum espaço de manobra enquanto enfrentam desafios financeiros inesperados causados pelo impacto da COVID-19.

Por esta razão, em 2021, antecipa-se que o recurso ao legal finance, particularmente no contexto insolvencial e da recuperação de empresas, crescerá exponencialmente.

O legal finance surge como uma janela de oportunidade para reduzir, por um lado, a “pandemia” de insolvências que se avizinha e, por outro, para maximizar a satisfação dos direitos dos credores de empresas em crise. Trata-se de uma alternativa efetiva de financiamento (para empresas) e de investimento (para financiadores), introduzindo soluções de financiamento e de monetização de ativos (até então) “adormecidos” nos balanços das empresas.

Assim, o legal finance consubstancia, especialmente para as empresas em situação de revitalização, recuperação ou insolvência uma alternativa à adoção das tradicionais cost-saving measures, possibilitando-lhes recorrer a financiamento externo com o propósito de maximizar os respetivos ativos e, consequente e simultaneamente, gerar liquidez imediata.

 Através do legal finance, os custos associados e encargos decorrentes do litígio são suportados pelo financiador, o que permite ao financiado transferir total ou parcialmente os riscos associados à propositura de ações: além do financiador suportar os custos da propositura da ação, fá-lo numa base sem recurso, transferindo definitivamente o risco de insucesso da ação da esfera do financiado para a esfera do financiador.

O legal finance pode assim ser utilizado no âmbito da insolvência para financiar qualquer tipo de ação que crie uma oportunidade de recuperação significativa para a massa insolvente. Neste contexto, o financiamento de litígios maximiza o capital da massa insolvente, e permite uma recuperação mais rápida e mais eficiente para os credores, e, a final, um resultado que dificilmente conseguiria ser obtido de outra forma.

Em suma, o recurso ao legal finance afigura-se como opção extremamente atrativa também para credores e profissionais da área da insolvência, dado que permite a propositura de ações que, de outra forma, poderiam não ter sido prosseguidas. Por outro lado, o financiamento do litígio proporciona uma alternativa inovadora de alocação de risco, encorajando as empresas (em crise) a recorrer às instâncias judicias e arbitrais para efetivar os seus direitos. Por fim, o capital disponibilizado no âmbito deste tipo de operações permite uma alocação mais célere e efetiva à satisfação de direitos de credores e, simultaneamente, à recuperação e revitalização de empresas.

4. Notas finais

A pandemia veio afetar consideravelmente a tesouraria das empresas, ao mesmo tempo que incrementou os casos (e o risco) de insolvências, fraudes, incumprimento contratual e de violação de direitos, e, em igual medida, o risco de litigiosidade entre os vários agentes económicos.

Antecipando um aumento do risco de litigiosidade entre os vários agentes económicos, a necessidade de mitigar os custos (monetários e de tempo) para as empresas comummente associados ao recurso aos tribunais e de democratizar o acesso à justiça torna-se premente.

Neste contexto, o legal finance surge como uma alternativa de indiscutível utilidade que permite acautelar não apenas os interesses de empresas, trazendo-lhes liquidez de forma expedita e sem grande risco, como aumenta igualmente as hipóteses de satisfação dos direitos de credores nas empresas em crise, consubstanciando, de igual forma, uma opção de investimento aliciante para financiadores.

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